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terça-feira, 19 de abril de 2011

TEIMOSAS ILUSÕES

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Por Cláudio Camargo

1959, vitória de Fidel; início do mit

Poucos eventos da História recente tiveram tanta repercussão e alcance quanto a Revolução Cubana. No alvorecer de 1959, um bando de guerrilheiros barbudos e maltrapilhos derrubou a sangrenta ditadura de Fulgêncio Batista – que transformara Cuba num cassino americano. O episódio incendiou corações e mentes em todo o mundo. Comandados por Fidel Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos, os guerrilheiros fizeram uma revolução que não estava nos manuais - sofreu oposição até do Partido Comunista de Cuba.



Che morto na Bolívia, 1967
O caráter heroico da revolução cubana se consolidou há exatos 50 anos, quando a pequena ilha repeliu a tentativa de derrubada do regime por uma força paramilitar de exilados cubanos apoiados e financiados por Washington – o famoso episódio da Baía dos Porcos. O mito de Davi contra Golias se consolidou na crise dos mísseis de 1962 – quando os EUA ameaçaram atacar Cuba por causa da instalação de mísseis nucleares soviéticos. O assassinato de Che Guevara no interior da Bolívia em outubro de 1967, lutando pela revolução continental, foi o apogeu da utopia cubana.


Fidel e Leonid Brejnev em Moscou

A partir de 1968, o regime cubano acertou os ponteiros com a realpolitik. Para enfrentar o embargo econômico americano, Fidel Castro vendeu a alma ao Kremlin, alinhando-se incondicionalmente à política externa de Moscou. Em troca, Havana recebeu subsídios econômicos gigantescos, que garantiram a sobrevivência do regime enquanto a União Soviética durou. Então, Cuba virou uma versão caribenha do stalinismo: partido único, economia planificada, militarização da sociedade, prisões de dissidentes e expurgo da máquina partidária de qualquer voz dissonante de El Comandante. O fascínio pela farda e a barba faziam de Fidel um ícone "rebelde", disfarçando sua similaridade os apparatichks do bloco soviético. 

General Arnaldo Ochoa, fuzilado por "traição"


A decadência daquela utopia revolucionária já era perceptível nos anos 1980, mas tornou-se cristalina em 1989, antes mesmo do desmoronamento do bloco soviético. Naquele ano, um heroi militar cubano e até então uma das estrelas do regime, o general Arnaldo Ochoa, foi preso, julgado e condenado à morte sob acusação de envolvimento com o narcotráfico. O julgamento foi uma farsa dos irmãos Castro típica dos Processos de Moscou dos anos 1930. Especulou-se Ochoa foi sacrificado para encobrir o envolvimento de Fidel com operações escusas ou porque ele seria um defensor da linha reformista do líder soviético Mikhail Gorbatchóv.

Orlando Zapata, dissidente morto

O colapso do comunismo não levou à queda do regime castrista por várias razões, mas a principal delas é que em Cuba a revolução socialista não tinha sido imposta por um Exército estrangeiro de ocupação, como acontecera nos países do Leste europeu. Por ter tido um caráter de libertação nacional, ela ainda dispunha de crédito junto ao povo cubano. Mas então o regime se tornou indefensável: para se manter no poder, Fidel Castro impôs a Cuba o “período especial”, dolarizando a economia e permitindo a realização de atividades privadas controladas. O resultado foi o fim do igualitarismo inicial da revolução e a criação de uma sociedade de apartheid, em que os cidadãos se dividiam entre os que tinham divisas (dólares) e os que não tinham. Isso sem falar na intolerância paranoica frente do regime à qualquer crítica, mesmo de intelectuais que não se aliaram ao imperialismo. Em 2003 vários foram condenados a penas de mais de 20 anos de prisão. Um deles, Orlando Zapata, morreu em 2003 consequência de uma greve de fome.  

As "jineteras" voltaram ao Malecón

Hoje, mais de 50 anos depois da queda de Batista, a herança do castrismo é catastrófica. Cuba é um país estagnado econômica, politica e ideologicamente. Os Comitês de Defesa da Revolução controlam e espionam a vida dos cidadãos, enquanto estes buscam acesso a bens de consumo e dólares. A prostituição - que Fidel orgulhava-se de ter exterminado - está de volta mas ruas. E agora, para enfrentar a crise, o regime anuncia demissões em massa na máquina estatal. O embargo americano é parte responsável por essa penúria, mas ele também serve de pretexto para os irmãos Castro manterem a ditadura. Mas o mais difícil de entender é por que ainda tantos setores da esquerda democrática – principalmente na América Latina – têm pruridos em criticar o regime cubano e ainda se compelidos a defendê-lo a qualquer custo, deixando à direita o monopólio da crítica ao totalitarismo castrista.

Um país que parou no tempo
A razão mais forte para esse “acriticismo” ao regime cubano são as conquistas sociais da Revolução, que contrastam com as fortes desigualdades latino-americanas. Para quem vem de uma tradição intelectual e política em que a igualdade é um valor fundamental, pode ser difícil criticar Cuba de Fidel. Mas trata-se de um sofisma. “É possível argumentar”, diz a cientista política argentina Claudia Hilb, “que Cuba continua sendo um regime bastante igualitário se o compararmos com outros países da região e é possível defender também que seus índices sociais, apesar de caírem desde 1989, continuam entre os melhores da América Latina. Entretanto, não devemos nos esquecer que já em 1959 os índices de desenvolvimento social de Cuba a situavam, em todos os casos, entre os quatro primeiros lugares da América Latina – ou seja, a situação na época em Cuba tinha que ser comparada com a do Chile e do Uruguai e Argentina, não com o Haiti ou El Salvador”. Ela lembra também que é possível argumentar que, mesmo nas atuais condições, um morador de um setor carente de Cuba goza de melhores condições do que um morador de uma favela de Buenos Aires. Argumento enganoso, ela diz, “ou por acaso alguém acha lícito defender a ditadura de Pinochet argumentando que os moradores de assentamentos no Chile viviam, àquela época, melhor que os habitantes de Soweto ou vice-versa?”.

Mikhail Bakunin, líder anarquista


E aqui ela toca no ponto nevrálgico: “é um argumento ainda mais enganoso, com certeza, quando pretendemos esquecer quais eram as esperanças que a esquerda latino-americana e mundial depositou, em 1959, na Revolução Cubana: a esperança de uma revolução que realizaria, enfim, o sonho de uma sociedade de homens livres, emancipados, libertos da exploração. [...] Talvez o balanço da Revolução Cubana, o balanço das revoluções de tipo socialista do século XX, deva concluir com o caráter ilusório desse sonho. O resultado não foi a formação de uma sociedade livre da exploração”. Só a partir do reconhecimento do fracasso desse modelo, acrescento eu, poderemos nos engajar firmemente no propósito de construir uma sociedade mais justa e mais democrática, embora ainda imperfeita, posto que a perfeição não é obra de homens, mas de deuses, aos quais não temos acesso, ou de demônios, aos quais teríamos que vender nossa alma.

“Liberdade sem socialismo é privilégio; socialismo sem liberdade é escravidão e brutalidade”, dizia o teórico anarquista Mikhail Bakunin. Neste caso ele estava certo e Marx, errado.

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