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quarta-feira, 18 de maio de 2011

A PAIXÃO INSANA PELA VERDADE


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Papa Alexandre VI - o Papa devasso





Num livro famoso, A Marcha da Insensatez, a historiadora americana Barbara Tuchman atribui a Reforma Protestante do século XVI à corrupção e concupisciência dos papas da Renascença, particularmente a Rodrigo Bórgia, o famoso Alexandre VI, pai dos não menos famosos César e Lucréia Bórgia. 
 O contraponto a esse pontífice  foi o frade dominicano Girolamo Savonarola, considerado por muitos um protestante avant la lettre, que arrebatava multidões com um discurso fundamentalista e purista e fundou uma teocracia em Florença até ser deposto e enviado à fogueira por ordem de Alexandre VI. A distância histórica permite afirmar que a ação deste último trouxe muito mais avanços do que a do frade extremista que queimava livros hereges e queria destruir a “cultura pagã” da Renascença. Afinal, como disse Orson Welles um famoso “caco” do filme O Terceiro Homem: “Na Itália, por trinta anos sob os Bórgias, eles tiveram guerra, terror, assassinato e derramamento de sangue, mas produziram Michelangelo, Leonardo da Vinci e a Renascença. Na Suíça, eles tiveram amor fraternal, quinhentos anos de democracia e paz, e o que eles produziram? O relógio-cuco”.


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Lucrécia Bórgia, "devoradora de homens"

Os Bórgias eram oriundos de Valência (Espanha), na época um rico entreposto comercial e principado regido pelo rei Fernando de Aragão. A ascensão de Rodrigo Bórgia na estrutura de Igreja Católica foi favorecida pelo seu tio Afonso de Bórgia, papa Calisto III (1455-1458). Ordenado padre em 1468 e criado cardeal em 1471, Rodrigo era uma combinação renascentista de excelente formação teológica com  enorme avidez por riquezas materiais e pela luxúria. Chegou a Roma com sete filhos naturais de diversas mulheres. Em 1492, aos 61 anos, foi eleito ao trono de São Pedro, ao que parece comprando todo o colégio de cardeais. O "papa espanhol" adotou o nome de Alexandre VI e rodeou-se de catalães e valencianos de confiança. Ele transformou a Santa Sé num antro de orgias, simonias, conspirações e assassinatos. Desregramentos à parte, foi sob o papado de Alexandre VI que nasceu o Tratado de Tordesilhas, que separou as terras americanas entre Espanha e Portugal. Sob seu pontificado Roma também deu proteção aos judeus – um fato inusitado numa igreja de longa tradição antissemita.

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César Bórgia, modelo de O Príncipe

O Vaticano não tinha exército e a Itália de então era um amontoado de ducados, principados, e repúblicas, como Veneza e Florença, que guerreavam entre si. A Espanha e a França tinham interesses em manter o Vaticano sob controle. O papa fez de César Bórgia, seu filho legítimo, o comandante de seu exército. Maquiavel irá elogiar o espírito guerreiro e a liderança de César Bórgia, em quem se inspirou para escrever O Príncipe. Para formar o seu exército, Alexandre VI recorreu aos judeus perseguidos pelos reis espanhóis Fernando e Isabel. Essa postura inusitada e o fato de que corte de Alexandre VI era um antro de corrupção desenfreada - exagerado até mesmo para os padrões elásticos da Renascença - alimentaram uma virulenta reação de cunho messiânico ao seu papado.    

Girolamo Savonarola...
Sob estímulo dos reis católicos de Espanha e França, então inimigos do Vaticano, prosperou em Florença um movimento político de caráter religioso comandado pelo frade dominicano Girolamo Savonarola, que arrebatava multidões e com um discurso fundamentalista, denunciando a “imoralidade” e a vida de prazeres dos florentinos e a orgia e corrupção do Vaticano. Com esse discurso, ele implantou uma teocracia em Florença. Inimigo do renascimento artístico e cultural, estimulou a destruição de livros e obras de arte, incluindo trabalhos de Botticelli, de inestimável valor. Proibiu o jogo, a bebida, as festas e elevou a sodomia, até então punida com multa, a crime capital, punível com a pena de morte. Em 1497, o fanático líder religioso promoveu a famosa Fogueira das Vaidades: seus emissários recolheram objetos que pudessem caracterizar alguma forma de frouxidão moral, como espelhos, tabuleiros de jogos, cartas, vestidos luxuosos, livros sobre temas pagãos, cosméticos, perfumes, quadros mostrando figuras nuas e outros objetos, fazendo de tudo uma imensa fogueira no centro de Florença.

... para quem matar pela verdade era uma virtude
Os desmandos de Savonarola foram tantos que em 4 de maio de 1497 explodiu uma a revolta popular, com os florentinos reabrindo tavernas e promovendo a jogatina em locais públicos. A família Médici foi reconduzida ao poder enquanto Savonarola, preso e excomungado por Alexandre VI, acabou enforcado em 23 de Maio de 1498. Seu corpo foi queimado em praça pública na Piazza della Signoria, onde muitas de suas vítimas morreram na na fogueira. Diz-se que Leonardo da Vinci teria retratado Savonarola na sua famosa obra A Última Ceia no rosto de Judas Iscariotes.

Até hoje, Alexandre VI representa a devassidão e a corrupção; enquanto Savonarola simbolizar a pureza dos princípios. Mas sempre é bom lembrar a advertência de Guilherme de Bakersville a Adso de Melk em O Nome da Rosa, de Umberto Eco: "Teme, Adso, os profetas e os que estão dispostos a morrer pela verdade, pois de hábito levam à morte muitíssimos consigo, frequentemente antes de si, às vezes em seu lugar. [...] Talvez a tarefa de quem ama os hOmens seja fazer rir da verdade, porque a única verdade é aprendermos a nos libertar da paixão insana pela verdade".  

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