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quarta-feira, 11 de abril de 2012

DEZ ANOS DO GOLPE FANFARRÃO



O coronel Hugo Chávez Frías, um líder controverso, mas legítimo
Não creio que o coronel Hugo Chávez Frías e seu “socialismo do século XXI” sejam um modelo para a moderna esquerda latino-americana. Ao contrário, ele tem todos os vícios da velha ortodoxia: autoritarismo, militarismo e messianismo. Mas daí a compará-lo a um ditador, como faz a direita – civilizada ou de Neardenthal – é estultice ou, na maioria dos casos, má-fé. 
Chávez foi eleito e reeleito e todas as mudanças que ele fez no país – goste-se ou não delas – foram todas referendadas nas urnas em eleições limpas. Além do mais, ele mudou a face de um país que, até sua chegada ao poder, nadava em petróleo mas tinha 70% da população abaixo da linha de pobreza. Pode-se discutir seus métodos, mas não negar-lhe legitimidade. Foi o que a oposição tentou fazer há dez anos, quando empresários, militares e sindicalistas da PDVSA, com apoio explícito dos EUA, recorreram ao golpe militar para apeá-lo do poder. A grande mídia, inclusive aqui, apoiou gostosamente a quebra da legalidade democrática. A Veja, inclusive, manchetou: “A queda do presidente fanfarrão”. Pouco importava se os golpistas tinham suspendido a Constituição e as liberdades. Felizmente, graças à mobilização popular e à pressão diplomática dos vizinhos, principalmente do Brasil, a quartelada não prosperou. Na época, escrevi uma matéria na IstoÉ cujo título sacaneava com a manchete da Veja:

Um golpe fanfarrão

Pressão latino-americana e mobilização popular provocam racha nas Forças Armadas e garantem a restituição da legalidade

Cláudio Camargo
Foram necessárias apenas 48 horas para que a Venezuela se desse conta de que não era mais uma república de bananas, como acreditava boa parte da oligarquia que domina aquele país, setores da mídia internacional e não poucos funcionários de alto coturno da Casa Branca, além de badalados scholars, como Jeffrey Sachs. Na madrugada do domingo 14, os mesmos comandantes militares que dois dias antes tinham deposto o presidente Hugo Chávez Frías e colocado em seu lugar o empresário Pedro Carmona fizeram meia-volta e reconduziram o mandatário legítimo a seu cargo. Em meio a tropas leais e a multidões de desvalidos que tinham tomado as ruas de Caracas para protestar contra o golpe, Chávez retornou triunfante ao Palácio de Miraflores (sede do governo) trazido de helicóptero da ilha de la Orchila, no mar do Caribe, onde tinha sido confinado. Trajando roupas civis em vez da tradicional farda de campanha, Chávez, tenente-coronel da reserva e ele mesmo ex-golpista, fez um discurso visivelmente emocionado, em que baixou o habitual tom incendiário e pediu uma “reconciliação nacional”. Brandindo nas mãos ora um crucifixo, ora um exemplar da Constituição, o presidente tentou acalmar os acirrados ânimos políticos que em quatro dias deixaram mais de 40 mortos na Venezuela. “Não venho com ódio ou rancor. Não haverá nenhuma caça às bruxas”, prometeu Chávez. O presidente ainda esboçou um ensaio de mea-culpa fazendo um apelo aos adversários políticos: “Os últimos dias foram uma gigantesca lição para todos nós. Eu também tenho que refletir e já o fiz.

Estou disposto a me corrigir, mas não posso ser o único, todos devem fazer o mesmo”, conclamou. Mas o apelo do presidente reempossado não sensibilizou a desmoralizada oposição, que teima em insistir que a reconciliação passa pela renúncia de Chávez, a quem acusa de polarizar o país com suas políticas populistas. Na quinta-feira 18, ao instalar o Conselho Federal de Governo para buscar o diálogo com a oposição, Chávez surpreendeu ao prometer guardar a espada e não usar mais a farda. “Peço que me ajudem nisso, a guardar a espada e o uniforme. Muito mais do que isso, quero colocá-los no baú de recordações”, disse.

Pedro Carmona, o Breve
A fugaz interinidade de Pedro Carmona revelou-se uma inacreditável sucessão de desastres. Presidente da Fedecámaras, a poderosa central sindical do empresariado venezuelano, ele vinha se revelando um habilidoso líder oposicionista desde o final do ano passado, quando esteve à testa de um vigoroso movimento de protesto contra o governo. Na semana passada, a Fedecámaras e a Central dos Trabalhadores da Venezuela (CTV), que reúne os funcionários da poderosa indústria estatal de petróleo, convocaram uma greve geral por tempo indeterminado, para protestar contra mudanças que o governo tinha feito na cúpula da empresa Petróleo de Venezuela S.A. (PDVSA) e pedir a renúncia de Chávez. Na quinta-feira 12, centenas de milhares de pessoas se dirigiam ao Palácio Miraflores e foram violentamente reprimidas por tropas da Guarda Nacional. Muitos foram alvo de franco-atiradores, provavelmente paramilitares dos Círculos Bolivarianos, num confronto que deixou pelo menos 16 mortos e dezenas de feridos.

A repressão levou os chefes militares, capitaneados pelo comandante do Exército, general Efraín Vásquez, a exigir a saída de Chávez, que acabou detido no Forte Tiuna, sede do comando do Exército. Alçado à mais alta magistratura da Venezuela em meio à mais profunda crise política do país dos últimos anos, Carmona se mostrou açodado e autoritário. Deu como certa a versão – falsa, viu-se depois – de que Chávez havia renunciado. Mal assumiu a presidência, mandou às favas os escrúpulos de consciência – se é que os tinha – e baixou um decreto suspendendo a Constituição, dissolvendo o Congresso e fechando o Supremo Tribunal de Justiça. Como se não bastasse, Carmona destituiu governantes regionais eleitos e anunciou que novas eleições só ocorreriam dentro de um ano. Sabe-se agora que tal decreto foi redigido um dia antes da derrocada de Chávez, tamanha era a certeza dos golpistas no sucesso de sua empreitada. À margem dos comandos militares e dos líderes sindicais que lhe deram sustentação, o líder da Fedecámaras articulou com setores empresariais a dissolução dos poderes, a composição do Ministério e a duração do governo provisório. Um dos que participaram da elaboração do decreto foi Isaac Pérez Recao, um dos proprietários da Venoco, empresa petroquímica da qual Carmona foi o principal executivo.

Resgatado, Chávez retorna ao poder
A reação não se fez esperar. No início da tarde de sábado 13, manifestantes chavistas promoveram saques em diversos estabelecimentos comerciais e começaram a se concentrar, aos milhares, em frente ao Palácio Miraflores. Foi a senha para que os partidários de Chávez no Exército começassem a se mobilizar. Pouco depois da uma hora, o general Raúl Isaías Baudel, comandante da 42ª Brigada de Pára-Quedistas de Maracay, 110 quilômetros a sudeste de Caracas, se rebelou contra o governo de Pedro Carmona. Em seguida, foi a vez da Base Aérea do Libertador, na grande Caracas. No Regimento da Guarda de Honra, responsável pela proteção do Palácio Miraflores, o subcomandante, tenente-coronel José Morao, leu um comunicado na tevê declarando lealdade a Chávez. Dentro do palácio presidencial cercado por manifestantes, circularam rumores de que os rebeldes legalistas iriam bombardeá-lo. Foi o suficiente para que os ministros do governo provisório saíssem em debandada. Acuado, Carmona foi obrigado a rumar para o Forte Tiuna, sede do comando do Exército. Tomados de surpresa, os chefes militares recuaram e condicionaram o apoio a Carmona à restituição da institucionalidade. O presidente-empresário cedeu, mas já era tarde. Às 17h53, o presidente da Assembléia Nacional, William Lara, disse que o Congresso não reconhecia o governo transitório. Depois de violentos confrontos em frente ao Palácio de Miraflores, os ministros de Chávez entraram na sede de governo. Às 22h11, o vice-presidente, Diosdado Cabello, assumiu provisoriamente. Era o fim da aventura. Sem apoio, Carmona renunciou e acabou preso. Às 2h15, Chávez entrou triunfante no palácio e foi reempossado.

Baixo clero – Apesar do retorno à institucionalidade, é inegável que a sorte da democracia venezuelana, em última instância, foi decidida pela caserna. O ministro da Defesa, José Vicente Rangel, disse que o golpe contra Chávez fracassou porque seus líderes desconheciam o funcionamento dos quartéis. Alguns analistas dividem a cúpula das Forças Armadas entre facções minoritárias e antagônicas de opositores e defensores do presidente e uma maioria de legalistas, que seria a principal responsável pelo afastamento e posterior recondução de Chávez ao poder. Mas outros acreditam que o movimento que garantiu a manutenção da institucionalidade foi obra dos oficiais de média e baixa patentes – majores, capitães e tenentes –, que obrigaram os generais a recuar. “Houve um golpe de cúpula, mas a pressão de baixo foi muito forte e a virada foi dada porque os oficiais não tinham apoio da tropa. Quando falo da tropa, falo dos oficiais de média patente”, disse a ISTOÉ o vice-almirante Armando Ferreira Vidigal, ex-diretor da Escola Naval e atualmente assessor do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma). “Essa fratura nas Forças Armadas foi o fundamento do contragolpe. A questão é saber como Chávez vai se comportar agora. Se tiver cabeça, irá negociar com o Alto Comando.” O fato de ter dito que pretende guardar a farda no baú de recordações parece indicar que Chávez deverá fechar a caixa de Pandora que abriu pela primeira vez em 1992.
(Colaborou Hélio Contreiras)




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